Gráfico do livro destacando as formas de violência e locais de ocorrência dos atos violentos.
foto/divulgação: Imagem de divulgação
No mês de conscientização pelo fim da violência contra a mulher – Agosto Lilás – a 1ª Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de São Luís lançou um livro sobre o perfil dos agressores. A obra, resultado de pesquisa realizada pela unidade judiciária com participantes do Grupo Reflexivo de Gênero, do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), mostra que a maior causa da violência é o ciúme, seguida de outras situações como uso de álcool ou drogas ilícitas, alegação de traição ou inconformismo com o fim do relacionamento, sendo o ambiente doméstico o principal local onde esses atos ocorrem e a grande maioria dos homens afirmou não se ver como autores de violência.
Os dados constam no livro “Mapeamento do Perfil dos Homens Autores de Violência: uma análise do Grupo Reflexivo da 1ª Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de São Luís”, disponível em formato eletrônico no endereço https://www.tjma.jus.br/bibliotecas/esmam/obras/303. Para o levantamento do perfil foram utilizados os dados das entrevistas iniciais de seleção dos participantes do grupo, realizadas pela equipe multidisciplinar da 1ª Vara da Mulher (psicólogo, assistente social, voluntário e estagiários de serviço social e psicologia), com os homens que concluíram suas atividades nos anos de 2017 a 2021.
O livro foi lançado pelo juiz titular da 1ª Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de São Luís, Reginaldo de Jesus Cordeiro Júnior, na semana passada, durante a abertura do mutirão nacional “Justiça pela Paz em Casa”, no Fórum Des. Sarney Costa (Calhau). O mutirão teve como objetivo agilizar o andamento dos processos que envolvem violência de gênero e dar maior visibilidade à “Lei Maria da Penha” (Lei n.º 11.340/2006). Para o magistrado, é importante ter políticas públicas das formas mais variadas, sejam voltadas para a conscientização e para a reconstrução dessa mentalidade do homem, do machismo e patriarcado, ou seja, “reconstruir a forma de pensar da sociedade, de não se olhar a mulher de forma inferiorizada, a mulher como posse do homem”, afirmou o juiz.
AUTORES DE VIOLÊNCIA
Autores de violência – sobre o motivo alegado para a prática da violência, os entrevistados responderam que foi em razão de ciúmes (25,7%), uso de álcool ou outras drogas (14,2%), justificaram problemas na relação afetiva (13,3%), alegaram traição (9,5%), descontrole emocional (8,5%), inconformismo com o fim do relacionamento (6,6%), culpa da mulher (5,7%) e outros motivos – não souberam dizer ou informaram filhos, netos, disputa de bens, pagamentos, contas, querer perfeição da mulher (16%).
Entre os entrevistados predominaram as idades entre 35 a 43 anos (33,7%), 44 a 52 anos (32,6%), 26 a 34 (24, 4%), 53 a 60 anos (5%) e 18 a 25 anos e com mais de 60 anos (2% cada). Quanto à raça, a pesquisa revelou que 45% se declararam pardos (morenos, mulatos, caboclos, cafuzos, mamelucos ou mestiços), brancos (17,3%), negros (25,5%) e os que não quiseram se autodeclarar somam 11,2%. Em relação à naturalidade, 91% dos homens nasceram no estado do Maranhão; 5% não informaram sobre a sua naturalidade e 4% declararam procedência de outro estado da federação.
A pesquisa também mostra que na categoria escolaridade, a maior representatividade foi a dos homens com ensino médio completo (37%), seguido dos que completaram o ensino fundamental (18%) e os não alfabetizados representam 1,98%. Dos entrevistados, 76,5% trabalhavam, 15,3% não trabalhavam e 8,2% não informaram atividade laboral. Quanto à renda, o maior registro (48%) se concentra entre os homens que recebiam até dois salários mínimos por mês, 18% com rendimento menor que um salário e 16% recebem um salário mínimo. No item referente à profissão, 25% dos participantes do Grupo Reflexivo afirmaram trabalhar na área de comércio ou serviço, 21% são autônomos, 14% são da área de construção, 12% da área mecânica/rodoviária, 12% na área de segurança, 11% área técnica e 5% exercem outros tipos de trabalho.
Em relação ao estado civil, 51% dos entrevistados são solteiros, 22% vivem em união estável e 17% são casados. “Devemos considerar o entendimento dos homens acerca do que seja estar solteiro, pois se percebeu durante a participação deles nos grupos reflexivos que muitos mesmo estando em relacionamentos (união estável, namoros, por exemplo) têm a compreensão de que são solteiros pelo simples fato de não terem assinado nenhum documento em cartório, ou não terem participado de nenhum enlace religioso”, destaca a pesquisa.
ANTECEDENTES CRIMINAIS
Antecedentes criminais – dos denunciados pela prática de violência doméstica, em 61% dos casos não existe condenação anterior; em 21% não foi possível identificar registro no sistema de justiça; e 18% tinham processos criminais anteriormente. No item referente à paternidade, 69% dos participantes do Grupo Reflexivo possuem filhos com a vítima e 25% não tinham. Quanto ao tipo de violência praticada, 54,6% declararam que foi uma situação de violência física, 24,3% violência moral e 6% mencionaram outras situações (quebra de medida protetiva, acusação falsa da requerente e violência física da requerente). Outros 5% cometeram violência psicológica, 3,3% violência patrimonial, 0,8% violência sexual e 5% não souberam informar.
Em relação à informação sobre a percepção do autor de violência acerca do ato praticado, 51% declararam que consideram o ato uma violência e 43,9% entendem que não cometeram violência. “Percebe-se que ainda existe uma naturalização do fenômeno da violência na sociedade, por meio de negar, banalizar, naturalizar ou minimizar, fazendo com que os envolvidos não consigam perceber ou reconhecer o que é violência”, consta no livro.
Questionados sobre o que eles consideram violência, os homens responderam que é praticar agressão física ( 47,6%), verbal (15,2%), física e verbal (12,5%), ferir a dignidade ou integridade do outro (9,2%) e violência psicológica (7,2%). Outro dado da pesquisa revela que a maioria dos atos de violência contra a mulher ocorre no ambiente doméstico (41,4%), seguido de vias públicas (20,2%), casa de familiares ( 8,1%) e outros como, por exemplo, via telefone (8,1%). Dos pesquisados, 28,3% não informaram o local da prática da violência. A grande maioria (83,7%) relatam que não se veem como autores de violência e apenas 11,2% afirmaram se identificar como autores.
Quanto ao papel da mulher no relacionamento, para os homens que praticaram a violência doméstica e por isso tiveram que participar das atividades do Grupo Reflexivo, 37,8% consideram que é papel da mulher ser devota e dócil (respeito e apoio ao marido, consenso com o homem e prestativa, função de dialogar, companheira e parceira) e o cuidado familiar (32,8%), tanto afetivo como financeiro.
Segundo o psicólogo da equipe multidisciplinar da Vara da Mulher, Raimundo Ferreira, ao traçar o perfil dos autores de violência, a pesquisa pode contribuir para se pensar políticas públicas institucionais de intervenção e prevenção da violência de gênero. “Esse estudo nos ajuda a entender que existe um padrão comportamental desses homens, principalmente no que se refere a ele não se entender ou não se ver como responsável pelo ato; não compreender que a ação praticada é um ato violento, devido à visão de violência que ele tem e, assim, continuar perpetuando esses atos”, explicou o psicólogo. Ele destacou, ainda, que a pesquisa observou haver uma concepção rígida dos papéis de gênero entre homens e mulheres (homem provedor e a mulher cuidadora) e nesses papéis definidos se tem a questão da ação violenta. “É muito importante entender esse padrão comportamental para que se possa começar a desconstruí-lo, trazendo novas dinâmicas para as relações”, acrescentou.
GRUPO REFLEXIVO
Por força da Lei nº 13.984/2020, esses grupos estão inseridos no rol de Medidas Protetivas de Urgência, de que trata a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), visando ao comparecimento do homem autor de violência contra as mulheres a programas de recuperação e reeducação e ao seu acompanhamento psicossocial, mediante atendimento individual ou grupal de apoio. No grupo se discute temas como masculinidades, visando, ainda responsabilizar ativamente o agente, empoderar a sociedade e contribuir para ressignificação das relações sociais rompidas pelo conflito, o que acaba influenciando a redução, por exemplo, de eventuais reincidências.
Atualmente há duas turmas do Grupo Reflexivo, referentes às três Varas da Mulher de São Luís, com homens denunciados por violência doméstica e que frequentam, por determinação judicial, as atividades do grupo. Há uma turma com 17 participantes e outra com 45 e no próximo dia 05 de setembro inicia uma turma com novos integrantes. O psicólogo Raimundo Ferreira afirmou que nos 15 anos de existência do grupo, dos mais de 300 participantes foi constatado apenas um reincidente.
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